Síndrome de Down, envelhecimento e relógios epigenéticos

Nas últimas décadas, os avanços da medicina e da saúde pública fizeram que a expectativa de vida de indivíduos com síndrome de Down (SD) aumentasse bastante. Contudo, as taxas de mortalidade por idade ainda são mais altas do que a do restante da população. Pessoas com SD tendem a uma aceleração do processo de envelhecimento, que afeta particularmente os sistemas nervoso central e imunológico (Gensous et al., 2019).

Pesquisas atuais sobre o envelhecimento mostram maior número de danos celulares, instabilidade genômica, redução do comprimento de telômeros, perda de proteostases e acúmulo de alterações epigenéticas, como erros no processo de metilação. A essência do DNA está na interação dinâmica entre a sequência genética (isto é, genoma) e o epigenoma. De muitas maneiras, as influências ambientais alteram a expressão gênica através de vários mecanismos, como metilação do DNA, hidroximetilação, modificações de histonas, splicing alternativo etc.

A metilação do DNA (5-metilcitosina) é uma modificação epigenética covalente no DNA pela adição de um grupo metil na posição C-5 do anel da citosina pelas metiltransferases de DNA (Dnmts). Recentemente, as medidas de metilação do DNA mostraram ser ferramentas valiosas de previsão de idade, superando com precisão os modelos de previsão de idade com base no comprimento dos telômeros.

A quantidade de regiões CpGs metiladas do genoma vem sendo recentemente utilizada como biomarcador para envelhecimento. Diferentes conjuntos de regiões metiladas são usadas para criar relógios epigenéticos que servem para estimar, com alta precisão a idade de certas células e tecidos. Existem hoje diversos modelos de relógios epigenéticos como, por exemplo, o relógio de Horvarth, relógio de Hannum e relógio de Levine. Cada um desses relógios têm melhor precisão quando aplicados à análise de um tipo ou conjunto de células específicas. Embora seja um método que demonstre alto poder de previsibilidade do envelhecimento e até da longevidade e possíveis causas de morte, ainda não se sabe ao certo se os níveis de metilação são causa ou consequência do envelhecimento (Salameh, Bejaoui & Hajj, 2020).

A acumulação de erros no mecanismo epigenético durante a progressão do envelhecimento aumenta o risco de aparecimento de patologias relacionadas à idade, como as que envolvem deterioração cerebral e neurodegeneração. Os distúrbios cerebrais mais comuns que afetam os idosos são os que causam demência devido à perda de plasticidade sináptica, levando à perda de memória e às capacidades de aprendizado. A doença de Alzheimer (DA) é comum na síndrome de Down, sendo caracterizada clinicamente por perda progressiva de memória e comprometimento cognitivo. Suas características patológicas incluem acúmulo de β-amilóide (Aβ) em placas senis, formação de emaranhados neurofibrilares compostos por proteínas tau hiperfosforiladas e perda neuronal maciça principalmente no hipocampo e regiões associadas ao neocórtex.

Vários aspectos clínicos e epidemiológicos da DA indicam um papel dos fatores epigenéticos em sua etiologia. Isso é evidente em gêmeos monozigóticos discordantes para a doença em que o prognóstico e a idade de início podem variar em mais de 10 anos. De fato, um amplo espectro de vias epigenéticas, como metilação do DNA, modificação de histonas e RNAs não codificadores (ncRNAs), parece ser aberrante em pessoas com Alzheimer. A hipometilação de resíduos de citosina no promotor APP resulta em maior deposição de Aβ no córtex cerebral de amostras de cérebro, verificado por autópsia. Exames pós mortem também mostram que pacientes com Alzheimer exibem expressão significativamente aumentada de BRCA1, consistente com a hipometilação de uma ilha CpG (CGI) em sua região promotora. Atualmente, um diagnóstico definitivo de DA só é possível através do exame neuropatológico do tecido cerebral após a morte. Portanto, é importante identificar biomarcadores clínicos que possam ajudar na detecção precoce da doença, principalmente porque a eficácia dos medicamentos atualmente aprovados aumenta quando administrados durante os estágios iniciais da mesma.

Até o momento, apenas um número limitado de estudos avaliou as alterações na metilação do DNA nas células sanguíneas. Estes estudos mostram que alterações do promotor do gene do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e um marcador SNP (rs6265) demonstraram ter um papel significativo na progressão do comprometimento cognitivo amnésico leve para DA. A medição da metilação do DNA em locais específicos de CpG é, por enquanto, o biomarcador epigenético mais promissor. No entanto, estas pesquisas ainda estão em estágio inicial e, como o genoma humano é composto por 28 milhões de sítios CpG, investimentos de bilhões de dólares ainda serão necessários para que possamos compreender melhor a temática.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/