Dieta para tratamento da gordura acumulada no fígado

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) representa um dos distúrbios metabólicos mais importantes do século 21 e a principal causa de doença hepática crônica e transplante de fígado em todo o mundo. A abordagem moderna considera a DHGNA como uma doença metabólica sistêmica, caracterizada por diversas manifestações fora do fígado, principalmente ligadas à resistência ao hormônio insulina.

A abordagem moderna considera a esteatose hepática não alcoólica como uma doença metabólica sistêmica (Dallio et al., 2021)

A prevalência mundial de DHGNA varia entre 6% a 35%, com níveis mais elevados nos países industrializados. Existe uma susceptibilidade genética maior para a doença em indivíduos com polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs), em genes como PNPLA3 (rs738409), TM6SF2 (rs58542926) e MBOAT7. (rs641738). Ao mesmo tempo fatores ambientais, como vida sedentária, dietas pouco saudáveis ​​que promovem a resistência à insulina (RI) e disbiose intestinal, juntamente com alguns distúrbios imunológicos (como psoríase) aumentam o risco de desenvolvimento da doença, assim como apneia do sono e doença renal crônica.

Até o momento, não existem medicamentos específicos para o tratamento da DHGNA. Portanto, a modificação do estilo de vida continua sendo a recomendação mais importante e baseia-se em cinco eixos: exercício físico regular, perda de peso, prevenção e tratamento da resistência insulínica, modulação intestinal com tratamento da disbiose intestinal e dieta saudável antiinflamatória.

Uma dieta caracterizada pelo consumo abundante de alimentos de origem vegetal e peixes parece contribuir significativamente para a redução da ocorrência de várias doenças crônicas, incluindo da DHGNA. Esses princípios constituem o paradigma da conhecida dieta mediterrânea, rica em componentes antioxidantes e antiinflamatórios.

Descobertas recentes mostram a capacidade da nutrição e dos componentes da dieta em modificar a expressão de nossos genes. É o que estuda a nutrigenética (que genes são esses) e a nutrigenômica (como fazê-los funcionar melhor).

Nutrigenética e nutrigenômica: duas faces da mesma moeda

O genoma influencia a capacidade de resposta aos nutrientes (campo da nutrigenética). Ao mesmo tempo, a nutrição também pode modificar a expressão gênica envolvendo mecanismos epigenéticos (campo da nutrigenômica).

Pessoas com polimorfismo (SNP) no rs738409 do gene PNPLA3 (ou Adiponutrina), devem ser acompanhados. A enzima codificada pelo gene pNPLA4 tem atividade na lipase de triglicerídeos, estando envolvida na sua utilização como fonte de energia e no seu armazenamento. A presença do alelo G deste SNP está associado a aumento dos níveis de triglicerídeos nas vesículas dos hepatócitos (células do fígado). Isto é ainda mais recorrente se o paciente tiver resistência à insulina e/ou obesidade.

O gene PNPLA3 também está envolvido na liberação da forma de armazenamento do retinol (vitamina A), conhecida como retinil-palmitato, nas células estreladas hepáticas. Devido ao envolvimento do retinil-palmitato na regulação do metabolismo da gordura celular, sua retenção em pessoas com este SNP gera maior respostas pró-inflamatórias e pró-fibrótica.

Assim, é importante maior consumo de peixes e ômega-3 neste pacientes, redução do consumo de ultraprocessados e carboidratos simples, assim como retirada do álcool da dieta. Atividade física e controle das calorias consumidas também é importante.

O gene MBOAT7 codifica uma enzima ligada à membrana e cuja função principal é a incorporação de ácido araquidônico (AA) e outros ácidos graxos insaturados na molécula de fosfatidilinositol. Na presença da variante rs641738, a expressão da enzima codificada diminui junto com os níveis hepáticos de PI contendo AA, o que causa uma interrupção de várias vias celulares que regulam o metabolismo de triglicerídeos, inflamação, fibrose e proliferação celular. Aqui a conduta é reduzir o consumo de gorduras saturadas e gorduras do tipo ômega-6.

O gene TM6SF2 é responsável pela produção de uma proteína localizada principalmente no retículo endoplasmático e aparelho de Golgi, envolvida na regulação da secreção hepática de triglicerídeos. A codificação rs58542926 C> T para a variante E167K desse gene está envolvida no desenvolvimento de esteatose hepática n ão alcoólica. Por outro lado, esse SNP parece conferir proteção contra o risco de doença cardiovascular por meio da redução da secreção de lipídios e da síntese de lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL), desenhando um papel biológico muito complexo que ainda precisa ser totalmente esclarecido. Mesmo assim, parece que para estes pacientes a redução da ingestão de carboidratos seja importante.

Além dos SNPs PNPLA3, MBOAT7 e TM6SF2, outras variantes genéticas aparecem potencialmente envolvidas neste cenário. Existem fortes evidências científicas para que o polimorfismo do gene regulador de glucoquinase (GCKR) aumenta a resistência insulínica. Assim, pessoas com a presença do alelo C para o rs780094 também precisarão envitar carboidratos simples.

Como se sabe, a superprodução de espécies reativas de oxigênio (ROS) derivada de sobrecarga de ácidos graxos livres (FFAs) na mitocôndria e devido à resistência insulínica também piora a esteatase. Pacientes com polimorfismos para as enzimas SOD precisarão de dietas ricas em antioxidantes e suplementação condizente com o caso.

O uso de chás e ervas também é interessante evitando a oxidação de moléculas como o colesterol e mantendo um quadro menos inflamatório, propício à recuperação hepática. À luz do conhecimento científico recente, a dieta e a genética devem ser casadas para melhor definição da conduta e maiores chances de sucesso no tratamento. O aconselhamento nutrigenético é uma realidade e cada vez mais pacientes beneficiam-se da nutrição de precisão.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Disbiose intestinal e esteatose hepática

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), é frequentemente considerada como uma manifestação da síndrome metabólica. É comum em países industrializados, chegando a atingir entre 20 a 40% dos adultos. Isto porque a incidência de obesidade é alta, assim como o consumo de álcool e alimentos que dificultam o funcionamento do fígado e do restante dos órgãos.

Intestino e fígado

Estudos recentes mostram que a microbiota intestinal ruim pode ser um outro fator contribuinte para a DHGNA. Quando há um aumento de Clostridium, Anaerobacter, Streptococcus, Escherichia o risco de esteatose parece aumentar. As alterações da microbiota estão associadas a maiores concentrações fecais de 2-butanona e endotoxinas, principalmente lipopolissacarídeos bacterianos, que são absorvidos nos intestinos chegando ao fígado.

O que são lipossacarídeos bacterianos (LPS)?

Lipopolissacarídeos são combinações de lipídeos e açúcares e um importante componente da membrana externa de certas bactérias. Além de garantir muito da integridade estrutural das bactérias, os LPS evitam que elas sejam digeridas pelos sais biliares que partem do fígado, para a vesícula e então para o intestino.

Bactérias protegidas pelos LPS, também chamadas de bactérias Gram-negativas - que não fixam o violeta de genciana usado no método de coloração de Gram - existem naturalmente em abundância no intestino, chegando a representar 50 a 70% da microbiota intestinal.

Sabe-se há muito que o LPS (classificado como endotoxina, isto é uma toxina que vem das bactérias intestinais) provoca uma violenta reação inflamatória ao passar para a corrente sanguínea. Em geral, os LPS são barrados pelas junções de oclusão entre as células do intestino. Quando estas oclusões (ou junções estreitas) ficam comprometidas e o revestimento se torna permeável, os LPS entram na circulação, geram inflamação e, possivelmente, danos.

Além de esteatose hepática não alcoólica, o excesso de LPS circulante tem sido associado a redução da produção de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma neurotrofina envolvida na plasticidade sináptica e memória. Existem evidências de que pacientes com doença de Alzheimer e esclerose lateral amiotrófica possuem até 3 vezes mais LPS no plasma do que pessoas saudáveis. Pacientes com doença de Parkinson também apresentam níveis muito elevados de LPS.

Como avaliar LPS?

Começam a surgir empresas que avaliam LPS na corrente sanguínea, um marcador de hiperpermeabilidade intestinal. Uma destas empresas é a cyrex labs que tem alguns testes, um deles é o Cyrex array 2.

Falo neste outro texto sobre alguns marcadores de disbiose e hiperpermeabilidade intestinal, como a zonulina.

Trate o intestino para melhorar o fígado

Recuperar a mucosa intestinal é importante para a saúde intestinal e hepática. O programa 6Rs é uma boa estratégia. Falo dele neste post aqui. Fazem parte deste programa a redução da exposição à toxinas (bisfenol, ftalatos, pesticidas, corantes, conservantes), usar suplementos que reduzem a permeabilidade intestinal como beta glucanas, nucleotídeos, glutamina e adotar uma dieta rica em fibras e alimentos fermentados.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Genes e ambiente aumentam o risco de esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado)

O fígado é um órgão essencial para o equilíbrio de gorduras, carboidratos e até hormônios em nosso corpo. Armazena vitaminas, minerais e glicogênio. Sintetiza lipoproteínas, bile e várias proteínas. Converte amônia à uréia. Elimina substâncias tóxicas, dentre tantas outras funções. Por isso, quando o fígado não funciona bem não há como a pessoa ter saúde completa.

Uma doença cada vez mais comum é a esteatose hepática não alcoólica. Nela, há um acúmulo de gorduras no fígado, devido à uma combinação entre genética (polimorfismos de UCP2, PNPLA3, TM6SF2) e alto consumo de calorias, gordura, frutose, resistência à insulina, diabetes, dentre outros fatores.

Neste vídeo explico o metabolismo da frutose e sua interação com o fígado. A frutose pode ativar fatores de transcrição como SREBP1c e ChREBP que facilitam o acúmulo de gordura no fígado. A figura abaixo mostra mecanismos moleculares desencadeados pelo consumo excessivo de frutose e que aumentam o risco de síndrome metabólica, resistência à insulina e obesidade.

Fazem parte da terapêutica nutricional:

  • Redução do consumo de frutose, presente em grande quantidade em alimentos que contenham açúcar (sacarose) de qualquer tipo (branco, demerara, cristal, mascavo), mel, xarope de milho, xarope de frutose, cereais, mel, sorbital e produtos caseiros ou industrializados feitos com eles, como refrigerantes, sucos de caixinha, doces, bolos, comidas rápidas, fast food . Lembre que mesmo comidas salgadas como hamburgueres, molho de tomate, pizzas podem conter açúcar. Leia os rótulos.

  • Adote a dieta antiinflamatória e aumente o consumo de fibras solúveis, presentes em verduras, aveia e leguminosas (feijão, ervilha, lentilha, soja, grão de bico).

  • Consuma frutas com baixo teor de frutose como morango, amora, mirtilo, framboesa, kiwi, pêssego, abacate, limão, lima. Laranja e toranja com bagaço também são ótimas opções por serem ricas em fibras e também vitamina C, que diminui a inflamação do fígado;

  • Inclua fontes de carotenóides na dieta. Alimentos como batata doce, cenoura, espinafre, abóbora, melão, alface, pimentão, pêssego, brócolis, vagem, possuem altos níveis de carotenóides, antioxidantes que associam-se a redução significativa da esteatose hepática não alcoólica (Christensen, Lawler, Mares, 2019).

  • Trate o intestino. Uma microbiota ruim, cheia de bactérias patogênicas aumenta a quantidade de toxinas e inflamação no corpo, o que está ligado à esteatose. Trate a disbiose intestinal para melhorar a saúde do fígado e de todo o corpo (Ji et al., 2019).

  • Converse com seu nutricionista sobre a suplementação de fitoterápicos ou alimentos que ajudam a tratar a esteatose, como silimarina, Cynara cardunculus, curcumina, berberina, canela, acetilcarnitina, são alguns dos compostos que podemos utilizar para o tratamento da esteatose. Discuto mais no curso de fitoterapia.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/