A interação entre o intestino e o cérebro, e como os nutrientes são convertidos em sinais que influenciam a função cerebral, tem sido objeto de estudo científico por décadas. No trato gastrointestinal, hormônios intestinais, receptores e células sensoriais desempenham um papel fundamental na sinalização entre o intestino e o cérebro.
Estímulos Sensoriais no Trato Gastrointestinal
O processo de detecção dos nutrientes começa na cavidade oral e continua ao longo de todo o trato gastrointestinal. A descoberta de receptores gustativos no intestino delgado chamou a atenção para a importância desses sensores não só após a ingestão, mas também pela semelhança com os sensores presentes na cavidade oral. Esses receptores no intestino destacam o papel do epitélio intestinal na detecção de nutrientes.
Células Neuropod: Sensores Rápidos
As células epiteliais sensoriais do intestino incluem as células enteroendócrinas, mas o termo células neuropod foi introduzido em 2018 para se referir a células que podem formar sinapses. Essas células fazem sinapses com os neurônios do nódulo vagal, transmitindo rapidamente sinais do intestino para o cérebro, usando glutamato como neurotransmissor.
O Papel das Células Epiteliais Sensoriais
As células epiteliais sensoriais, como as células neuropod, são especializadas em gerar atividade elétrica em resposta a estímulos externos, como nutrientes ou bactérias. Elas possuem receptores moleculares, como os Receptores Acoplados à Proteína G (GPCRs), que são ativados pela presença de substâncias no intestino. Um exemplo bem estudado são os receptores T1R, responsáveis pela detecção dos sabores doce e umami, encontrados em todo o epitélio gastrointestinal. A ativação desses receptores inicia uma cascata de sinalização que culmina na liberação de cálcio (Ca²⁺) no interior da célula.
Detecção de Nutrientes e Sinalização
O aumento de Ca²⁺ citoplasmático nas células sensoriais do intestino desencadeia a despolarização da membrana celular e a liberação de mais cálcio, o que pode ocorrer através de canais dependentes de voltagem. Esse processo permite que as células enteroendócrinas detectem a presença de nutrientes no intestino. A absorção de nutrientes frequentemente envolve a captação de íons, gerando uma pequena corrente despolarizante que ativa a sinalização nas células sensoriais.
Esse complexo processo de detecção e sinalização é essencial para a comunicação eficiente entre o intestino e o cérebro, impactando aspectos importantes da nossa saúde e do comportamento alimentar.
As células neuropodais, encontradas no epitélio intestinal, desempenham um papel essencial na comunicação entre o intestino e o cérebro, detectando nutrientes e gerando respostas rápidas. Diferentes vias moleculares ativam essas células de maneiras complexas, dependendo do tipo de nutriente. Abaixo, vamos explorar como a glicose, os lipídios, os açúcares e as proteínas são detectados e processados pelas células neuropodais.
Ativação das Células Neuropodais pela Glicose
A glicose é detectada nas células neuropodais de duas maneiras principais:
Transportadores de Sódio (SGLT1): O transportador de glicose 1 semelhante ao Na+ (SGLT1) facilita a entrada de sódio e glicose, despolarizando as células. Essa despolarização provoca a liberação de vesículas e ativa os neurônios aferentes conectados sinapticamente.
Metabolismo de Glicose: Após a glicose ser metabolizada, a produção de ATP fecha os canais de potássio sensíveis ao ATP (KATP), causando uma despolarização adicional da célula e ativando canais de cálcio dependentes de voltagem, resultando na fusão das vesículas e ativação neuronal.
Além disso, as células neuropodais também expressam receptores T1R2/3, que são ativados na presença de glicose. Esses receptores acionam vias de sinalização que liberam cálcio intracelular, o que ativa o canal TRPM5 e promove a liberação de neurotransmissores, como o glutamato.
Sensores de Nutrientes no Intestino
Os nutrientes ingeridos ativam uma rede de receptores e transportadores no epitélio intestinal, permitindo que as células sensoriais detectem tanto a presença quanto o valor nutricional das moléculas. O reconhecimento dos nutrientes vai além de simplesmente detectar o sabor, incluindo a capacidade de avaliar o conteúdo calórico, como no caso dos açúcares.
Açúcares
Quando os açúcares entram no intestino, eles ativam uma resposta em duas vias principais:
Receptores T1R2/3: Estimulam a sinalização via proteínas G, que geram um aumento no cálcio intracelular.
SGLT1: Transporta glicose junto com sódio, resultando em despolarização celular e ativação de canais de cálcio, culminando na liberação de neurotransmissores e peptídeos.
Lipídios
Os lipídios são principalmente digeridos em ácidos graxos e monoacilgliceróis no intestino. A translocase CD36 é um sensor chave para ácidos graxos, ativando a sinalização intracelular via fosfolipase Cβ e cálcio. Além disso, o receptor GPR119 é crucial para a detecção de monoacilgliceróis de ácidos graxos de cadeia longa, e a ativação desse receptor pode levar à liberação de neuropeptídeos, como o peptídeo semelhante ao glucagon.
Proteínas
As células neuropodais também são capazes de detectar produtos proteicos digeridos. O ATP gerado durante o metabolismo das proteínas é co-armazenado com peptídeos, como o peptídeo 1 semelhante ao glucagon, em vesículas. Quando as células são estimuladas, há a liberação tanto de neurotransmissores (como ATP) quanto de hormônios (como o peptídeo 1), que estimulam a atividade neuronal.
Moléculas de Sinalização Secretoras
As células neuropodais utilizam diferentes moléculas de sinalização para transduzir as propriedades dos estímulos. Além do glutamato, que é liberado em resposta ao açúcar, outras moléculas como serotonina e ATP são liberadas para sinalizar e modular a atividade dos neurônios. Essas descobertas indicam que as células sensoriais do intestino armazenam uma variedade de moléculas de sinalização que podem responder a diferentes características dos estímulos, como valor nutricional, distensão mecânica, osmolaridade, pH e temperatura.
Inervação das Células Epiteliais Intestinais
O intestino é inervado por neurônios sensoriais extrínsecos que transmitem informações sobre o volume do estômago e o conteúdo intestinal. A partir de estudos mais recentes, foi possível identificar que as células enteroendócrinas fazem sinapses com os neurônios. Usando técnicas como o vírus da raiva monossináptico, pesquisadores descobriram que essas células, especialmente as colônicas, possuem proteínas pré e pós-sinápticas, sugerindo que não só transmitem sinais, mas também recebem informações de neurônios. Essas sinapses estão amplamente conectadas aos neurônios dos gânglios da raiz dorsal da medula espinhal e dos gânglios nodosos vagais, os quais são responsáveis pela comunicação entre as vísceras e o cérebro.
O Papel do Nervo Vago
O nervo vago, o maior nervo craniano, tem funções vitais no controle de funções como batimentos cardíacos, respiração e movimentos do trato digestivo. Além disso, ele desempenha um papel crucial na transdução sensorial de nutrientes no intestino. Embora a sinalização hormonal forneça uma resposta mais lenta e duradoura, a neurotransmissão sináptica, através do nervo vago, proporciona uma resposta rápida e imediata aos nutrientes, como demonstrado por estudos em que a perfusão de sacarose no intestino provoca uma resposta elétrica rápida. A transmissão sináptica do glutamato é essencial para a detecção de nutrientes e a comunicação rápida com o cérebro, enquanto a sinalização hormonal atua de forma mais sustentada.
Interações Microbianas com as Células Epiteliais Sensoriais
O microbioma intestinal também desempenha um papel significativo na comunicação entre o intestino e o cérebro. Bactérias intestinais secretam ligantes bacterianos e interagem com as células enteroendócrinas de várias maneiras. Elas liberam padrões moleculares associados a micróbios (MAMPs), como lipopolissacarídeos (LPS), que ativam receptores nas células enteroendócrinas e induzem a liberação de neuropeptídeos, como o peptídeo 1 semelhante ao glucagon. Além disso, as bactérias geram metabólitos como ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) e indóis, que podem atuar em receptores específicos nas células enteroendócrinas, modulando a liberação de substâncias e influenciando a comunicação entre o intestino e o cérebro.
Em um modelo saudável, as células enteroendócrinas, especialmente as células neuropodais, detectam sinais do microbioma intestinal e retransmitem essas informações ao cérebro. No entanto, algumas bactérias patogênicas podem infectar diretamente essas células, alterando sua função e afetando a transmissão sináptica. Esses estudos sugerem que as células neuropodais podem ser um alvo para a manipulação de comportamentos mediados por microbiota, com implicações para tratamentos futuros.
Os sinais do nervo vago são processados em várias regiões do cérebro, como o núcleo do trato solitário (NTS), que é essencial para o controle da saciedade. Além disso, os sinais vagais também influenciam áreas cerebrais relacionadas à recompensa, ao humor e à memória. Estudos recentes indicam que os aferentes vagais intestinais podem modular não apenas a fome e saciedade, mas também o humor, a memória e a motivação, refletindo o impacto do intestino nas emoções e comportamentos.
Nervo Vago e Comportamento: Recompensa, Humor e Memória
Recompensa: A estimulação vagal pode induzir comportamentos relacionados à recompensa, como a busca por alimentos, e até mesmo preferências por certos sabores, influenciando o comportamento alimentar.
Humor: A estimulação do nervo vago tem sido usada no tratamento de transtornos como a depressão, sugerindo um papel significativo na regulação emocional. Estudos também indicam que a sinalização vagal pode afetar a ansiedade e o medo.
Memória: A estimulação vagal melhora a memória, influenciando processos de neurogênese e plasticidade no hipocampo, uma região cerebral associada à memória episódica e espacial.
O entendimento crescente do papel do nervo vago na comunicação entre o intestino e o cérebro destaca a complexidade do sistema nervoso entérico e suas implicações para a saúde física e mental, abrindo caminho para novas terapias e intervenções.