Gestação saudável para um bebê saudável

O artigo Prenatal Nutritional Factors and Neurodevelopmental Disorders: A Narrative Review (Cernigliaro et al., 2024) revisa como fatores nutricionais pré-concepcionais e pré-natais influenciam o desenvolvimento cerebral fetal e sua relação com transtornos neurodesenvolvimentais (como TEA e TDAH). Destaca a relevância de nutrientes, padrões dietéticos, exposições ambientais (ex.: metais pesados) e mecanimos epigenéticos.

Dietas balanceadas, ricas em proteínas e micronutrientes, correlacionam-se com melhor desenvolvimento motor e resolutivo em crianças até 3 anos; padrões pobres em ferro refletem em piores desempenhos durante a gestação. Por outro lado, dietas desequilibradas (especialmente as ricas em alimentos ultraprocessados) associam-se a maior risco de transtornos do neurodesenvolvimento.

O neurodesenvolvimento fetal é um processo altamente ordenado e sensível, que ocorre desde a concepção até os primeiros anos de vida. Ele envolve várias fases críticas:

1. Neurulação (3ª a 4ª semana gestacional)

Formação do tubo neural, estrutura que dará origem ao cérebro e à medula espinhal.

  • Nutrientes essenciais:

    • Ácido fólico (vitamina B9): Previne defeitos do tubo neural (como espinha bífida e anencefalia).

    • Vitamina B12: Cofator para metilação do DNA, atua em conjunto com o folato.

    • Zinco: Participa na divisão celular e diferenciação neural.

Deficiências nessa fase têm consequências estruturais graves e irreversíveis.

2. Proliferação neural (5ª a 20ª semana gestacional)

Multiplicação de células neurais (neuroblastos) na zona ventricular.

  • Nutrientes essenciais:

    • Ferro: Essencial para a síntese de neurotransmissores e divisão celular.

    • Ácido docosahexaenoico (DHA, um tipo de ômega-3): Estimula crescimento celular e plasticidade.

    • Proteínas: Fundamentais para a síntese de novas células.

3. Migração neuronal (12ª a 24ª semana)

As células nervosas recém-formadas se deslocam para suas posições finais no cérebro.

  • Nutrientes essenciais:

    • Iodo: Fundamental para hormônios tireoidianos, que regulam o ritmo da migração.

    • Colina: Regula genes associados à migração e diferenciação.

    • Vitamina A: Atua na sinalização celular (ácido retinoico).

4. Diferenciação e sinaptogênese (final do 2º trimestre até pós-nascimento)

Neurônios se especializam (ex: motores, sensoriais) e formam sinapses (conexões).

  • Nutrientes essenciais:

    • Colina e DHA: Importantes para formação e estabilidade das membranas sinápticas.

    • Ferro e zinco: Cofatores para enzimas envolvidas na neurotransmissão.

    • Vitamina C: Cofator na síntese de dopamina e colágeno (estrutura cerebral).

5. Mielinização (a partir do 3º trimestre e continua até 2 anos pós-natal)

Formação da bainha de mielina, que isola os axônios e aumenta a velocidade dos impulsos nervosos.

  • Nutrientes essenciais:

    • Ácidos graxos poli-insaturados (DHA, ARA): Componentes estruturais da mielina.

    • Colina: Precursor da esfingomielina.

    • Vitamina B12 e ferro: Necessários para a síntese de mielina.

Após a gestação o cuidado continua pois o cérebro do bebê continua a desenvolver-se de forma acelerada, exigindo muitos estímulos, amor e uma gama de nutrientes.

Além da deficiência de micro e macronutrientes, outros fatores podem afetar o neurodesenvolvimento, incluindo genética, doenças maternas, infecções, uso de medicamentos, exposições tóxicas. Estes fatores afetam a programação fetal.

Fatores de risco ambientais

Exposição pré-natal a toxinas (álcool, chumbo, mercúrio, pesticidas, fumaça de tabaco, BPA, etc.) agrava o risco de atrasos neurodesenvolvimentais.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Filosofia da Alimentação (parte 2): o que Kant tem a ver com o que colocamos no prato?

Depois de explorarmos ontem o Utilitarismo, que dize que uma ação é certa se gera o maior bem possível, agora mergulhamos numa visão bem diferente: a ética kantiana, que coloca o foco não nas consequências, mas nos princípios morais que guiam nossas ações. E o que isso tem a ver com comida? Mais do que você imagina.

Kant: princípios antes das consequências

Immanuel Kant, um filósofo alemão do século XVIII, dizia que seres humanos devem ser tratados como fins em si mesmos, ou seja, com respeito pela sua dignidade, e nunca apenas como um meio para alcançar algo. Isso é o coração da sua teoria ética.

Quando olhamos para os animais, no entanto, Kant faz uma distinção: como eles não têm razão nem linguagem complexa, não temos deveres morais diretos com eles. O que temos são deveres indiretos — ou seja, não devemos maltratar animais porque isso pode nos tornar pessoas insensíveis, e isso prejudica como tratamos outros seres humanos.

Carol J. Adams: o elo entre animais e mulheres

A crítica feminista Carol J. Adams vai além. Para ela, existe uma conexão forte (e perigosa) entre o tratamento cruel dos animais e a objetificação das mulheres. Quando nos acostumamos a ver animais como objetos de consumo, ficamos mais propensos a tratar mulheres da mesma forma — como corpos disponíveis, descartáveis, sem voz. A cultura da carne, segundo Adams, normaliza a violência e o silenciamento, tanto de animais quanto de mulheres.

E se os animais forem mais éticos do que pensamos?

Do outro lado dessa conversa, cientistas como Frans de Waal e Jonathan Balcombe desafiam a visão tradicional kantiana. Eles trazem exemplos fascinantes do reino animal: chimpanzés que consolam seus pares, ratos que ajudam outros em sofrimento, golfinhos que parecem demonstrar empatia.

Esses comportamentos, segundo eles, mostram que muitos animais não são apenas seres instintivos, mas capazes de emoções complexas, empatia e até escolhas morais rudimentares. Ou seja, talvez eles mereçam muito mais do que um “dever indireto”. Talvez seja hora de reconhecer que eles têm valor moral por si mesmos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

FILOSOFIA DA ALIMENTAÇÃO - PARTE 1: UTILITARISMO

Você já parou para pensar no que está por trás do que colocamos no prato? Há uma teoria filosófica chamada utilitarismo que pode nos ajudar a refletir sobre isso. Segundo pensadores como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, uma ação é boa se promove felicidade e ruim se causa sofrimento. Em resumo? Devemos agir sempre buscando o maior bem-estar possível.

E o que isso tem a ver com o nosso jantar?

Para o filósofo Peter Singer se um ser sente dor, temos responsabilidade moral por ele. Isso significa que, antes de cozinhar uma lagosta viva, deveríamos nos perguntar: ela sente dor? Pesquisas dizem que sim — assim como peixes, caranguejos e tantos outros animais. Então… é ético jogá-la viva na água fervente?

Kant, outro grande filósofo, também fala de responsabilidade moral. Mas ele olha por outro ângulo: a razão. Somos agentes morais porque conseguimos pensar, refletir e decidir. Então, o que deve guiar nossas ações — a dor dos outros ou a nossa razão?

Essas perguntas são centrais no documentário Food Inc., que expõe os bastidores da indústria alimentícia. O filme revela que muitos dos alimentos que consumimos são produzidos em sistemas que priorizam eficiência e lucro — muitas vezes às custas do sofrimento animal e de condições humanas degradantes.

Sabia que hoje uma galinha atinge o peso de abate em metade do tempo em comparação com 1950? Elas crescem tanto e tão rápido que mal conseguem ficar de pé. Mas o mercado quer peitos de frango grandes, e a indústria entrega.

No caso das vacas, elas não se alimentam mais apenas de grama — o alimento natural para elas. Hoje, são alimentadas com milho e soja, grãos mais baratos, subsidiados pelo governo. Mas isso causa doenças, que são tratadas com antibióticos em massa, gerando o risco de superbactérias resistentes.

O sistema alimentar industrial também depende da mão de obra barata, que recebe salários baixos, enfrenta condições de trabalho precárias e tem acesso a poucos direitos. Isso nos leva a outra questão ética: podemos aceitar esse modelo sabendo do sofrimento humano envolvido?

Não se trata de demonizar toda a produção moderna. A tecnologia permitiu alimentar muito mais gente do que no passado. Mas será que é possível produzir comida em grande escala sem abrir mão de ética, compaixão e responsabilidade?

Filosofia não é só teoria: é um convite à ação.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/