Metabolômica da esquizofrenia

A esquizofrenia é um transtorno mental crônico grave, mas também do neurodesenvolvimento, com uma apresentação complexa e sintomas complicados e diversos. Supõe-se que ~ 1% das pessoas em todo o mundo sofram de esquizofrenia.

O transtorno é caracterizado por diferentes conjuntos de sintomas que podem ser subdivididos em sintomas positivos, negativos, cognitivos e de humor (depressivos). É altamente hereditária e poligênica, com neurobiologia subjacente heterogênea e com etiologia pouco compreendida.

A combinação de vários fatores ambientais (experiência inicial de vida, exposição à violência, cannabis, abuso de drogas, migração, etc.), alterações metabólicas (anormalidades na tolerância à glicose, resistência à insulina, hipofunção do receptor NMDA, disbiose intestinal, disfunção mitocondrial e distúrbios no metabolismo energético), suas interações com diferentes variações genéticas e influências epigenéticas contribuem para o desenvolvimento da esquizofrenia.

Tecnologias ômicas no estudo da esquizofrenia

As tecnologias ômicas – genômica, transcriptômica, epigenômica, proteômica, metabolômica, conectômica e microbiômica intestinal – foram todas aplicadas para examinar diferentes aspectos da patogênese da esquizofrenia. Ajudam a criar uma imagem mais abrangente das interações envolvidas na complexa patogênese da doença, constituindo um rico recurso para elucidar os potenciais mecanismos moleculares da doença.

Metabolômica é a disciplina científica que lida com pequenas moléculas (até 1,5 kDa) chamadas metabólitos, ou seja, produtos do metabolismo de aminoácidos, lipídios, ácidos nucléicos, vitaminas, carboidratos... Todos produzimos metabólitos e alterações destes (para mais ou menos) estão associados à doenças. Abaixo veremos alterações típicas da esquizofrenia.

Esquizofrenia e estresse oxidativo

O estresse oxidativo foi revelado como um dos fundamentos biológicos da fisiopatologia da esquizofrenia. Ou seja, está intimamente associado à inflamação, que gera radicais livres. A desregulação do equilíbrio redox durante o neurodesenvolvimento pode danificar os neurônios, comprometer a sobrevivência neuronal, induzir déficits interneurônios via nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) oxidase, provocar anormalidades de oligodendrócitos, prejudicar os interneurônios GABA e afetar processos bioquímicos que causam disfunção neuronal, disfunção mitocondrial, afetam a atividade dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e produzem respostas inflamatórias aberrantes.

Marcadores de dano de estresse oxidativo podem ser detectados precocemente em pacientes com esquizofrenia. Frequentemente, a homocisteína, um marcador do estresse oxidativo, está elevada e é associada à gravidade dos sintomas positivos, negativos, cognitivos e depressivos e ao mau funcionamento geral (ver escala PANSS).

Metabolômica na esquizofrenia

Os estudos metabolômicos na esquizofrenia são complicados pela heterogeneidade clínica dos sintomas da esquizofrenia e pelas diferentes opções de tratamento. Para evitar esses fatores de confusão, a metabolômica do paciente deveria ser idealmente avaliada no primeiro episódio de psicose (ou seja, antes do uso de qualquer medicamento).

Estudos mostram vários distúrbios metabólicos no plasma e na urina, associados a desequilíbrios de neurotransmissores, aminoácidos, glicose e metabolismo energético, estresse oxidativo e distúrbios do metabolismo lipídico, interrupções no sistema de defesa antioxidante, microflora intestinal e sistema endócrino em pacientes com esquizofrenia.

A análise metabolômica detalhada revelou níveis alterados de metabólitos noradrenérgicos (noradrenalina, ácido vanil-mandélico, 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol), níveis aumentados de alanina plasmática, glicina e níveis de valina e glicina na urina, bem como níveis reduzidos de glicemia de jejum, fosfatidilcolina, lipoproteínas de alta, baixa e muito baixa densidade, ácidos graxos insaturados e lipídios; níveis diminuídos de citrato, α-KG, creatina e creatinina, acetoacetato e 3-hidroxibutirato e níveis elevados de lactato e lisofosfatidilcolinas em pacientes com esquizofrenia, sem uso da medicação (primeiro episódio).

A abordagem metabolômica direcionada à esquizofrenia revelou cinco metabólitos: maior concentração de ornitina e menor concentração de arginina, glutamina, histidina e um lipídio (PC ae C38:6), que poderiam ser usados ​​como biomarcadores de esquizofrenia, uma vez que foram significativamente diferentes dos valores dos controles e não foram afetados por medicação antipsicótica.

Esses metabólitos foram associados a 13 genes de risco para esquizofrenia, incluindo o gene que codifica para óxido nítrico sintase 1, fator de transcrição 4, receptor de neurotrofina quinase 3, catecol-O-metiltransferase, prolina desidrogenase mitocondrial, leucina carboxil metiltransferase 1, purina citosólica 50- nucleotidase, subunidade RPC3 da RNA polimerase III dirigida por DNA, integrina beta-1, integrina alfa-10, clatrina, tipo 1 de cadeia pesada, homólogo da proteína 42 de controle de divisão celular e homeobox 1 tipo corte (Erjavec et al., 2018).

O tratamento envolve psicoterapia, medicação e alterações na dieta capazes de corrigir o metabolismo. Neste outro artigo relato o caso de 4 pacientes que usaram a dieta cetogênica para reversão dos sintomas psicóticos e depressivos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Alterações metabólicas no câncer

O câncer é uma doença caracterizada pelo crescimento celular anormal e invasivo causado por uma série de mutações somáticas ou anormalidades cromossômicas dentro das células. Globalmente, mais de 90 milhões de pessoas vivem com câncer e quase 9 milhões morrem de câncer a cada ano.

Existem vários tipos de câncer, doença com genética complexa. Mutações de genes supressores de tumores (mais de 1.000 já são conhecidos) ou oncogenes (aproximadamente 800 conhecidos) levam à ativação ou supressão das divisões celulares que transformam os tumores em câncer. Além das questões genéticas, existem as alterações ambientais, que alteram a bioquímica da célula.

Substâncias produzidas pelas células que iniciam ou sustentam a tumorigênese (oncometabólitos) parecem desempenhar um papel fundamental em vários tipos de câncer, incluindo glioblastoma, câncer gástrico, condrossarcoma, colangiocarcinoma, paraganglioma, carcinoma renal e leucemia mielóide aguda.

Uma das descobertas da metabolômica é a do “efeito Warburg” e sua profunda influência no crescimento de células tumorais. O efeito Warburg, também conhecido como glicólise aeróbica, foi descrito em 1927 pelo Prêmio Nobel Otto Warburg. Warburg notou que as células tumorais consomem até 200 vezes mais glicose do que as células normais e que oxidativamente “fermentam” essa glicose em ácido lático, que é então secretado.

O processo assemelha-se à glicólise anaeróbica ou fermentação em levedura, em que a glicose é convertida em etanol e acetato, exceto que em tumores, o produto final é o lactato. É por isso que Warburg chamou o fenômeno observado em tumores de glicólise “aeróbica”. Na glicólise aeróbica, as células deixam de usar o metabolismo mitocondrial e o ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) (para processar glicose e gerar ATP) para um tipo muito diferente de metabolismo. Em vez disso, a glicólise aeróbica é caracterizada por uma dependência quase exclusiva do metabolismo citoplasmático que gera muito pouco ATP.

Em vez de produzir ATP via fosforilação oxidativa (OxPhos), as células cancerosas produzem grandes quantidades de aminoácidos, lipídios e ácidos nucleicos. Essas moléculas servem como blocos de construção para montar as proteínas, membranas lipídicas, DNA e RNA necessários para produzir novas células. Em outras palavras, as células cancerosas mudam de um estado catabólico para um estado anabólico.

Além desse “vício em glicose” (o efeito Warburg), as células cancerígenas também podem apresentar uma dependência notável da glutamina e de três outros aminoácidos (glicina, serina e metionina) para o crescimento celular. A dependência da glutamina suporta um processo chamado glutaminólise, enquanto a dependência de glicina, serina e metionina suporta o metabolismo de um carbono.

Estudos metabolômicos de tecidos cancerosos e células cancerígenas sugerem que muitos cânceres têm alguma plasticidade metabólica. Ou seja, eles podem evoluir suas preferências metabólicas entre glicólise aeróbica, glutaminólise ou metabolismo de um carbono de acordo com diferentes estressores, tratamentos com drogas e microambientes.

As 10 características do câncer

  1. Energia celular desregulada

  2. Eesistência à morte celular

  3. Instabilidade do genoma

  4. Indução de angiogênese

  5. Metástase e invasão celular

  6. Inflamação promotora de tumor

  7. Imortalidade replicativa

  8. Resistência à destruição imunológica

  9. Resistência à supressores de crescimento

  10. Sinalização proliferativa sustentada

As características únicas do metabolismo das células cancerígenas estão criando novas oportunidades para desenvolver tratamentos para o câncer baseados no metabolismo (como dietas cetogênicas) e medicamentos que alteram o metabolismo para servir como terapias anticâncer.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolismo do triptofano e efeitos neuropsiquiátricos

A metabolômica é uma disciplina que combina diferentes estratégias com o objetivo de extrair, detectar, identificar e quantificar todos os metabólitos que estão presentes em uma amostra biológica e podem fornecer insights sobre a causa de vários transtornos psiquiátricos.

Esquizofrenia, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) são transtornos mentais graves e entidades diagnósticas complicadas, devido à sua heterogeneidade fenotípica, biológica e genética, etiologia desconhecida e alterações pouco compreendidas nas vias e mecanismos biológicos. A perturbação da homeostase entre a superprodução de espécies oxidantes, superando a regulação redox e a falta de defesas antioxidantes celulares, resultando em patologia mediada por radicais livres. A subsequente neurotoxicidade contribui para o desenvolvimento destas doenças.

O equilíbrio alterado em algumas vias metabólicas leva a doenças metabólicas, como diabetes, aterosclerose, hipertensão, obesidade e doenças neuropsiquiátricas.

Triptofano e efeitos neuropsiquiátricos

O triptofano é um aminoácido aromático essencial que não pode ser sintetizado em nosso organismo. Carnes de todos os tipos, ovos, laticínios, castanhas, amendoim, ervilha, abacate são exemplos de alimentos fonte de triptofano. Este aminoácido será utilizado para sintetizar proteínas e o restante é metabolizado por células hospedeiras endógenas (via da quinurenina e via da serotonina) ou por microorganismos intestinais (via do indol e seus derivados). Estas moléculas interagem com o hospedeiro e exercem uma variedade de efeitos biológicos locais e heterotópicos circulando no plasma.

Mais de 85 espécies gram-positivas e gram-negativas de bactérias são conhecidas por hidrolisar triptofano em indol pela enzima triptofanase. A concentração fecal de indol foi relatada em uma ampla faixa (de 0,30 a 6,64 milimoles em adultos saudáveis), o que indica que existem diferenças individuais muito grandes no metabolismo do indol. A concentração de indol vai depender da quantidade de triptofano vindo da alimentação e da presença de bactérias como E. coli.

O que avalia o exame indican?

O indol pode ser convertido no fígado em indoxil e depois em indican (sulfatação para permitir excreção urinária) ou indigo. O indican (indoxil sulfato) é um produto de putrefação resultante da desconjugação bacteriana do triptofano dietético em indol no intestino delgado. Os níveis de Indican estão diretamente associados à atividade bacteriana nos intestinos.

Níveis elevados de indican na urina indicam toxemia intestinal ou supercrescimento de bactérias anaeróbicas, putrefação de alimentos não digeridos nos intestinos, distúrbios estomacais (constipação, má absorção), doenças inflamatórias intestinais e insuficiência pancreática. Mas o problema não fica por aí. Excesso de indican pode produzir efeitos neuropsiquiátricos (Yoshida, & Hirayama, 1984).

Fatores que contribuem para aumento de indican

  • Crescimento bacteriano intestinal excessivo (SIBO)

  • Doença celíaca

  • Cirurgia bariátrica

  • Digestão prejudicada de proteína

  • Cirrose hepática

  • Esclerodermia

  • Perda entérica de proteína

  • Envelhecimento

  • Uso de sacarina (adoçante)

  • Esteatorreia

Conduta para recuperação

Utilizar probióticos contendo lactobacillus (L. salivarius, L. plantarum, L. casei) e dieta com redução de açúcares e aminoácidas (antiinflamatória de características levemente cetogênicas) auxiliam na regulação intestinal e menor produção de Indican (indoxil sulfato). Após a recuperação o paciente volta a uma dieta saudável, baseada em plantas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/