O treinamento de resistência é um estresse agudo controlado que, quando feito corretamente, pode gerar adaptações benéficas, como o aumento da força muscular. No entanto, é importante entender que o treinamento excessivo pode ter o efeito oposto, gerando fadiga excessiva e até prejudicando a saúde intestinal.
O Treinamento de Resistência e Seus Benefícios
O treinamento de resistência é amplamente reconhecido por ser eficaz no ganho e manutenção da massa muscular e da força. No entanto, por muito tempo, esse tipo de exercício ficou em segundo plano, sendo ofuscado pelos benefícios do exercício aeróbico, especialmente no que se refere à saúde cardiovascular. No entanto, uma nova compreensão sobre os efeitos do treinamento de resistência surgiu com a descoberta das miocinas.
O Papel das Miocinas
Miocinas são citocinas, pequenos peptídeos e proteoglicanos secretados pelas células musculares esqueléticas durante a contração muscular. Essas moléculas possuem efeitos parácrinos, autócrinos e endócrinos, o que significa que não apenas atuam localmente, mas também podem afetar outros órgãos e sistemas do corpo. O estudo das miocinas revelou como o músculo esquelético, ao ser estimulado de maneira adequada, pode melhorar a saúde metabólica, cardiovascular, mental e imunológica. Este novo entendimento destaca o papel vital da atividade muscular para o bem-estar geral.
A Importância do Treinamento de Resistência
O treinamento de resistência vai além do aumento de força e massa muscular. Ele também tem efeitos positivos nos processos metabólicos e pode ajudar no tratamento de doenças não transmissíveis, como diabetes, doenças cardiovasculares e até distúrbios mentais. Ao estimular o músculo esquelético, podemos melhorar não apenas a força, mas também o funcionamento de sistemas vitais do corpo, aproveitando o "crosstalk" entre o músculo e os outros órgãos.
Como as Células Musculares Reagem ao Treinamento de Resistência?
O treinamento de resistência regular resulta em adaptações tanto a nível neuronal quanto morfológico. Na fase inicial, as adaptações neurais geram um aumento na força máxima e na velocidade de contração muscular. Com o tempo e a continuidade do treinamento, as adaptações morfológicas começam a ocorrer, incluindo o aumento da massa muscular.
Mecanismos de Adaptação Muscular
Existem três mecanismos principais pelos quais o treinamento de resistência induz essas adaptações:
Tensão mecânica: A carga imposta sobre os músculos durante o exercício ativa as vias de sinalização que promovem o crescimento muscular.
Dano muscular: O exercício provoca pequenas lesões nas fibras musculares, que, ao se regenerarem, tornam-se maiores e mais fortes.
Estresse metabólico: A exaustão muscular gerada pelo treinamento aumenta a produção de substâncias que estimulam a recuperação e o crescimento muscular.
Esses processos estimulam a hipertrofia das miofibrilas (estruturas responsáveis pela contração muscular), alterações nas fibras musculares e aumento da massa muscular sarcoplasmática (o fluido que envolve as miofibrilas), além de fortalecer o tecido conjuntivo.
A tensão mecânica gerada pela contração e alongamento do músculo esquelético é um dos principais gatilhos para a hipertrofia muscular. Esse estresse mecânico ativa uma série de cascatas moleculares, chamadas mecanotransdução, que promovem a síntese de proteínas.
O processo começa com o aumento dos níveis de ácido fosfatídico (PA) através de uma enzima chamada diacilglicerol quinase zeta. O PA ativa o mTOR, um regulador chave na síntese proteica. A sinalização é mediada por canais de cálcio dependentes de tensão e mecanossensores na membrana celular, como as integrinas, que respondem à quantidade e à duração do estresse mecânico no músculo.
Danos Musculares e Resposta Inflamatória
Durante o exercício de resistência, o músculo sofre microtraumas que, embora sejam benéficos para o crescimento muscular, também desencadeiam uma resposta inflamatória. A extensão desse dano depende da intensidade e duração do treino.
O microtrauma provoca a infiltração de granulócitos e macrófagos, células do sistema imune que liberam citocinas e fatores de crescimento. Esses sinais ativam as células satélites, células-tronco musculares que ficam localizadas entre a membrana basal e o sarcolema do músculo. Após ativadas, as células satélites se dividem e migram para o local do dano, dando origem a células precursoras miogênicas (MPCs), que podem se fundir e formar novas fibras musculares. Esse processo ajuda na regeneração do tecido muscular, tornando-o mais forte e funcional.
Estresse Metabólico e Regulação Energética
Durante o treinamento de resistência, o estresse metabólico é outro fator crucial para o crescimento muscular. Esse estresse envolve mudanças no metabolismo celular, incluindo o uso de ATP e cálcio para as contrações musculares. Quando o ATP disponível se esgota, a célula recorre a outras fontes de energia, como o fosfato de creatina e a glicólise anaeróbica, que geram ATP rapidamente, mas também produzem subprodutos como lactato e NADH/H+.
O acúmulo de lactato e a queda no pH celular são sinais que ativam o hormônio do crescimento (GH), a testosterona e miocinas anabólicas, como a IL-6. Essas mudanças ativam o mTOR, promovendo a síntese proteica e o crescimento muscular. Além disso, a diminuição nos níveis de energia ativa a AMP-quinase (AMPK), que regula a oxidação lipídica e estimula a biogênese mitocondrial, ajudando o corpo a otimizar o uso de energia.
Esses dois sistemas, mTOR e AMPK, estão em competição: quando a energia celular está baixa, a síntese proteica (mediada por mTOR) é interrompida, enquanto a AMPK busca preservar a energia, estimulando processos como a biogênese mitocondrial.
Tipos de Treinamento de Resistência e Seus Efeitos
Existem diferentes abordagens no treinamento de resistência, e duas das mais investigadas são o treinamento de hipertrofia e o treinamento de resistência de força. Ambos têm efeitos distintos, mas igualmente importantes para a saúde muscular e o bem-estar geral.
Treinamento de Hipertrofia
O treinamento de hipertrofia é focado no aumento da massa muscular. A evidência sugere que o volume total de treinamento é crucial para maximizar o crescimento muscular. Embora os protocolos possam variar, uma recomendação comum é realizar 6 a 12 repetições com 70-85% do máximo que uma pessoa consegue levantar (1RM), com intervalos de descanso entre 1 a 3 minutos.
Esse tipo de treinamento foca em aumentar a área da seção transversal das fibras musculares, especialmente as fibras rápidas do tipo IIA, promovendo também o armazenamento de fosfato de creatina e glicogênio, que são fontes importantes de energia. O treinamento de hipertrofia também melhora o metabolismo anaeróbico, ajudando a aumentar a resistência muscular.
Treinamento de Resistência de Força
O treinamento de resistência de força é mais voltado para o aumento da potência e da força muscular, utilizando cargas mais leves, geralmente de 50-70% de 1RM, e realizando mais repetições. Este tipo de treino é ideal para melhorar o tempo até a exaustão e a potência aeróbica máxima, sem focar no aumento da massa muscular.
Embora o treinamento de força não seja tão eficaz quanto o de hipertrofia para aumentar a área das fibras musculares, ele pode causar conversões das fibras Tipo IIB para Tipo IIA, melhorando a resistência e a força muscular, especialmente nos membros inferiores. Além disso, o treinamento de resistência de força pode melhorar a economia de movimento em atividades como corrida ou ciclismo, aumentando o limiar de lactato.
O Continuum Força-Resistência ilustra, de maneira exemplar, diferentes tipos de desportos associados ao treinamento de força. Embora o levantamento de peso seja o mais popular, existem diversas outras modalidades de treino que também promovem efeitos benéficos para a saúde. Nesse contexto, as miocinas desempenham um papel crucial, sendo substâncias secretadas pelas contrações musculares que ajudam a restaurar o equilíbrio metabólico e a promover a saúde geral.
As miocinas têm se mostrado potentes reguladores do metabolismo e da saúde, sendo estudadas no tratamento de doenças não transmissíveis, como a síndrome metabólica, o câncer e doenças neurodegenerativas. Diversas miocinas foram identificadas até agora, com muitas outras ainda aguardando descoberta. Entre as mais proeminentes, destacam-se a interleucina-6 (IL-6), miostatina, decorina, folistatina e o fator neurotrópico derivado do cérebro (BDNF), cada uma com funções e efeitos específicos no corpo.
1. IL-6: A Miocina Multifuncional
A IL-6 foi a primeira miocina descoberta e continua sendo uma das mais estudadas. Originalmente identificada como interferon beta2, ela foi renomeada em 1989. Este hormônio tem um papel duplo: além de ser uma citocina pró-inflamatória, também exerce efeitos anti-inflamatórios quando liberada durante a atividade muscular. A IL-6 aumenta a sensibilidade à insulina e favorece o acúmulo de GLUT-4, além de estimular a multiplicação de células satélites no músculo, contribuindo para a hipertrofia muscular. Seus efeitos anti-inflamatórios também estão associados à redução de substâncias inflamatórias como TNF alfa e IL-1 beta, sendo essencial para o processo de recuperação após o exercício.
No entanto, é importante destacar que níveis elevados de IL-6 estão associados à inflamação, o que torna necessário um equilíbrio na produção dessa substância, que pode ser alterado por fatores como a intensidade do exercício e o tipo de contração muscular realizada.
2. Miostatina: O Inibidor do Crescimento Muscular
A miostatina, descoberta em 1997, é uma miocina que atua como regulador negativo do crescimento muscular. Ela limita o crescimento do músculo esquelético durante o desenvolvimento e também está presente na fase adulta. Quando ativada, a miostatina inibe a proliferação de células satélites, dificultando a regeneração muscular e a hipertrofia. Além disso, altos níveis de miostatina estão associados a condições como sarcopenia, miopatia e até insuficiência cardíaca. A miostatina também desempenha um papel na resistência à insulina e está envolvida na perda muscular induzida por medicamentos como glicocorticoides.
Nos últimos anos, surgiram pesquisas farmacológicas visando a inibição da miostatina como estratégia terapêutica, especialmente para o tratamento de distrofias musculares. Contudo, ainda existem desafios na transição das descobertas de modelos animais para seres humanos, sendo a ativação dessa via pela prática de exercício físico uma alternativa terapêutica promissora.
3. Decorina e Folistatina: Antagonistas da Miostatina
Decorina e folistatina são antagonistas da miostatina e têm se mostrado promissores no fomento ao crescimento muscular. A decorina, descoberta em 1991, liga-se à miostatina, impedindo seus efeitos negativos no crescimento muscular. A folistatina, por sua vez, além de se ligar à miostatina, também bloqueia seus receptores, promovendo a proliferação de células satélites e acelerando a cicatrização muscular. Esses antagonistas têm grande potencial para o tratamento de lesões musculares e condições que envolvem atrofia muscular.
4. BDNF: A Proteína Protetora do Sistema Nervoso
O BDNF, ou fator neurotrópico derivado do cérebro, é uma miocina produzida por várias células, incluindo as musculares. Embora originalmente identificado no cérebro, o BDNF também tem papel crucial em outras partes do corpo, como o sistema muscular. Ele está envolvido na regeneração muscular e tem sido associado à redução da resistência à insulina e ao controle do metabolismo. Estudos demonstram que o treinamento de resistência aumenta os níveis circulantes de BDNF, promovendo benefícios para a saúde geral, como a melhoria do metabolismo lipídico e da utilização de glicose.
O BDNF também tem sido alvo de pesquisas terapêuticas para doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. No entanto, sua aplicação terapêutica ainda enfrenta desafios, principalmente devido à dificuldade de atravessar a barreira hematoencefálica. Apesar disso, o aumento do BDNF com o exercício físico regular oferece uma alternativa promissora para a melhoria do desempenho cerebral e a prevenção de doenças neurodegenerativas.
5. O Grupo Alfa PGC-1 e o Papel das Miocinas no Exercício Físico
5.1 - Irisina: é uma miocina recentemente identificada, derivada da clivagem da proteína FNDC5, dependente do PGC-1 alfa. Ela é produzida em resposta ao exercício físico e tem o potencial de promover o "escurecimento" do tecido adiposo branco, aumentando a termogênese e o metabolismo energético. Estudos mostraram que a irisina melhora a homeostase da glicose, reduz a resistência à insulina e combate a inflamação no tecido adiposo. Além disso, ela tem efeitos protetores no miocárdio e pode influenciar positivamente o metabolismo ósseo. No âmbito neurológico, a irisina está associada à melhora na doença de Alzheimer e na neurogênese. No câncer, os resultados variam, mas muitos estudos sugerem que a irisina pode induzir a apoptose em células cancerígenas, além de potencializar os efeitos de quimioterápicos como a doxorrubicina. Medicamentos como a metformina, usados no tratamento do diabetes tipo 2, demonstraram aumentar os níveis de irisina, embora ainda seja necessário mais pesquisa para confirmar esses efeitos em humanos.
5.2 Meteorina (Metrnl): descoberta em 2014, a Metrnl é uma adipomiocina também dependente do PGC-1 alfa. Inicialmente relacionada ao treinamento de resistência e hipertrofia muscular, essa miocina também é induzida pelo exercício físico. A Metrnl tem a capacidade de promover o escurecimento do tecido adiposo branco, aumentando a sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose. Embora os estudos com camundongos mostrem uma redução significativa na gordura corporal, os resultados em humanos são mais complexos devido a fatores como medicações concomitantes. Recentemente, a Metrnl foi associada a respostas imunológicas e à regulação inflamatória, demonstrando seu papel nas respostas imunes.
5.3 - Miocinas e Exercício de Resistência: o treinamento de resistência tem se mostrado eficaz na indução de várias miocinas importantes para a saúde metabólica e neurológica.
IL-6: A IL-6 é uma miocina inflamatória que pode aumentar após o exercício de resistência, embora os resultados variem conforme o tipo de treino e o método de medição. O exercício de resistência, especialmente quando envolve grandes grupos musculares, parece ser o mais eficaz para induzir o aumento dessa miocina.
Miostatina: A miostatina inibe o crescimento muscular, e sua redução após o exercício de resistência é um objetivo importante para quem busca hipertrofia muscular. Mesmo uma única sessão de treino pode diminuir seus níveis.
Decorina: Antagonista da miostatina, a decorina se correlaciona inversamente com a miostatina. O exercício de resistência tem mostrado aumentar os níveis de decorina, o que pode ser benéfico para o crescimento muscular.
Folistatina: A folistatina, outra miocina associada ao crescimento muscular, tem seus níveis elevados após o treinamento de resistência, dependendo do volume e intensidade do treino. Esse aumento tem implicações positivas para a hipertrofia.
BDNF: O BDNF é amplamente estudado por seu impacto nas doenças neurológicas. O treinamento de resistência parece aumentar seus níveis plasmáticos, especialmente com treinos de alta carga e intensidade. Esse aumento está relacionado ao fortalecimento neuronal e à melhoria na função cognitiva.
O exercício de resistência não apenas melhora a força muscular, mas também tem um impacto significativo na produção de miocinas, que promovem benefícios metabólicos e neurológicos. Para otimizar esses efeitos, é fundamental considerar fatores como a intensidade do exercício, a dieta e o contexto individual de cada pessoa. A pesquisa continua a explorar como diferentes protocolos de exercício podem ser aplicados para maximizar os benefícios das miocinas.
Não apenas os esportes, mas também o controle do peso corporal, a redução do estresse, a nutrição, o movimento diário e outros fatores de estilo de vida podem aumentar a produção de miocinas. Vice-versa, um estilo de vida pouco saudável pode levar à perda de massa muscular e à produção prejudicada de miocinas.